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Entrevistas e Artigos

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Foto do escritorDuk Produção

Curadoria | Entrevista com Laura Rodriguez

Coordenadora de Curadoria e Acervo do Museu de Arte Brasileira | FAAP


Conte um pouco sobre sua trajetória na área de museus. Como foi seu início, sua formação? O que mais a atraiu nessa área?


Sou formada em Artes Visuais pela FAAP [Fundação Armando Alvares Penteado]. Quando estava cursando o sétimo semestre da graduação, em fevereiro de 2004, tive a oportunidade de estagiar no Museu de Arte Brasileira, na área de acervo. Na verdade, minha missão era digitalizar o acervo, ou seja, preencher os dados das obras num novo banco de dados adquirido na época da contratação. Diante da minha dedicação, logo questionaram se queria ser funcionária do Museu, e a partir de junho do mesmo ano comecei como Auxiliar de Acervo. Tive sorte, estava no lugar certo na hora certa. Eu já tinha a intenção de trabalhar em uma instituição museológica, era algo que me seduzia por reunir tudo que eu gosto – arte, história, organização, trabalho em equipe, criatividade, pesquisa e educação. No Museu raramente abrem vagas, mas naquele momento a instituição estava crescendo. Rapidamente fui assumindo outras funções, a digitalização foi concluída em poucos meses e foram me passando as aquisições, os empréstimos e a catalogação. Como o Museu apresentava muitas exposições anualmente, também fiz produção e, uma vez que domino quatro idiomas, intermediava os empréstimos do estrangeiro. Poucos anos depois fui promovida a Assistente, e em 2017 fui nomeada Coordenadora de Curadoria e Acervo. Desde então faço parte do Conselho do Museu. Hoje, além de cuidar de tudo que se refere ao acervo, também faço a curadoria de mostras de nossas obras e algumas vezes incluo obras emprestadas de outras instituições ou colecionadores.


Recentemente você fez uma curadoria com Denise Pollini sobre A Poética do Fazer: Moda e Arte no MAB. Qual foi a inspiração por trás da concepção dessa exposição de moda?


O Museu criou a coleção Moda-MAB em 2016, e, considerando que já tínhamos um grande número de peças, eu quis fazer uma exposição para divulgar a existência dessa nova coleção e a riqueza e variedade de peças que já temos no acervo. Também tive a ideia de mostrar outras peças têxteis do acervo de Artes Visuais que não eram expostas desde a década de 1980. Como não sou especialista em moda, chamei minha ex-colega Denise Pollini para fazer a curadoria comigo. Ela já tinha realizado a curadoria da mostra Moda no Brasil: Criadores Contemporâneos e Memórias, em 2012, no MAB.


Como foi o processo de pesquisa no acervo para seleção das peças para a exposição?


Como eu mesma faço o seguimento das doações, na verdade conheço muito bem o acervo. Participo ativamente na tomada de decisão do que entra no acervo e do que não é aceito. A catalogação é feita em grande parte com pesquisa na internet e em publicações, já que os estilistas raramente passam os dados das peças. Fiz uma primeira seleção um pouco de memória e olhando as fotografias das peças, e em conjunto com Denise fomos afunilando a lista.


Qual foi o principal critério para escolher as peças que fariam parte da exposição? Qual foi a divisão desses núcleos e o pensamento curatorial?


O critério era ter todos os estilistas do acervo presentes em forma proporcional à quantidade de peças que eles doaram para a instituição. E foram selecionadas as peças mais elaboradas ou com design mais arrojado, para deixar a exposição mais variada e interessante. Também levamos em consideração que essas peças deviam estar em diálogo com os têxteis do acervo de Artes Visuais. Olhando para o conjunto, pensamos em como organizar a exposição e como conceitualizar os diferentes núcleos. A Denise teve a ideia das ações e gostei muito da proposta, fomos pensando nas ações desenvolvidas no trabalho desses têxteis e acabamos selecionando seis: arquiteturar, vazar, justapor, estampar, entremear e performar. Nosso trabalho nessa fase foi a distância, já que a Denise mora em Portugal. Fizemos encontros semanais e fui enviando material sobre as peças para ela poder conhecê-las o melhor possível, até que quatro meses antes da abertura ela pôde vir ao Brasil para ver as peças pessoalmente.


Houve algum desafio específico ao montar esta exposição com o acervo disponível?


Uma vez selecionadas as peças, passamos a lista para a equipe de conservação, que avaliou quais delas teriam condições de serem expostas. Algumas haviam chegado recentemente ao Museu e ainda não tinham sido tratadas. Após essa avaliação, confirmamos o resultado e deixamos uma lista de 20 peças a serem substituídas no meio do ano, para evitar que algumas delas se danificassem após tanto tempo de exposição, e também para mostrar um pouco mais desse acervo. Algumas peças não conseguimos expor, pois exigiriam muito restauro, e outras foram restauradas. Outro desafio foi conseguir manequins, pois dificilmente eles são alugados. A FAAP tem alguns no curso de Design de Moda, mas não eram suficientes, além disso havia peças pequenas demais para o tamanho dos manequins disponíveis. Enfim, tivemos de ir ajustando os expositores para cada peça, às vezes criando estruturas e suportes para que elas tomassem o seu formato. É muito diferente uma peça ser desfilada ou ser mostrada no manequim – ela perde o movimento, por isso precisamos criar um volume que a deixasse o mais fiel à ideia original do estilista.


Restauro de vestido

Você disse que teve de fazer algum trabalho de restauração nas peças do acervo antes de colocá-las em exibição. Poderia compartilhar algumas dessas experiências?


Sim, várias peças foram restauradas pela equipe de conservação e por uma monitora do curso de Moda que tinha os conhecimentos específicos necessários. Um caso que deu bastante trabalho foi um vestido de noiva de Lino Villaventura, de organza de seda, voile e tule, ambos de poliéster. Ele foi usado em um casamento em 1992 e depois foi desfilado em 1997 e 2015. Como os desfiles do Lino são bem performáticos, o vestido tinha furos de salto e rasgos em todo o corpete, já que o tecido é muito fino e estava fragilizado. O restauro levou aproximadamente dois meses de trabalho a oito mãos.






LINO VILLAVENTURA

(Belém, PA, 1951)

 

Vestido de noiva, 1992 (usado em um casamento)

Coleção Verão 1997/98, Desfile dos Vampiros, inspirado nas ninfas e nos figurinos de Léon Bakst do balé L'Après-midi d'um faune estrelado por Nijinsky em 1912

Coleção Verão 2016, Desfile SPFW, 16/04/2015

Materiais: organza de seda, voile e tule de poliéster, vidro, plástico e metal

Fotografia: Laura Rodriguez


Como você pensa que esta exposição contribui para a compreensão da história da moda ou de determinado período?


A nossa coleção é um pequeno recorte da história da moda no Brasil, reúne alguns estilistas que desfilaram a partir da década de 1980, dando prioridade a peças desfiladas. Pode ser muito útil para pesquisadores e pessoas da área, já que naquele período houve o boom da São Paulo Fashion Week e a moda brasileira ganhou destaque internacional mostrando personalidade própria. Mas ainda é uma coleção pequena, centrada em estilistas que atuam na cidade de São Paulo. Temos o intuito de ampliar para todos os estados do Brasil e mostrar maior diversidade – faltam mulheres, negros e indígenas. É ainda um grupo muito reduzido de estilistas.


Como você equilibrou a necessidade de preservar as peças do acervo com a intenção de criar uma experiência imersiva para os visitantes?


Em todas as exposições tomamos o maior cuidado com as peças, mas tentando permitir que o público possa vê-las de perto, protegendo-as quando necessário com alguma interfase transparente. As peças muito delicadas foram trocadas depois de quatro meses, em seguida houve nova substituição por outras que ficaram expostas nos últimos quatro meses. Evitamos o uso de muitas paredes divisórias para possibilitar uma imersão na exposição e uma melhor compreensão do projeto curatorial.


Você tem planos para futuras exposições relacionadas à moda ou a outros temas dentro do acervo da instituição?


Sobre moda, provavelmente faremos outra exposição dentro de uns três ou quatro anos. Tentamos revezar as temáticas com o intuito de mostrar toda a variedade e complexidade do acervo. Tenho em mente uma próxima exposição sobre pintura centrada nas obras de grandes dimensões, que são muitas e são pouco expostas, mas ainda não tem data. Outra exposição que está na lista de propostas envolve parceria com uma coleção privada, mas ainda não posso falar sobre isso pois não foi confirmada, seria um diálogo entre ambas as coleções. Também gostaria de fazer uma mostra de álbuns de gravura, pois temos uma coleção riquíssima.


Quais foram os principais membros da equipe envolvidos nos bastidores da exposição, e como foi coordenar suas atividades?


As pessoas que tiveram maior participação no início foram a produtora do Museu e as conservadoras, com quatro monitoras da faculdade de Moda – duas participaram da catalogação, pesquisa, descrição das peças e restauros, e duas foram monitoras de mídias sociais e criaram conteúdo durante todo o período de montagem e vigência da exposição. O Educativo também teve participação muito importante, já que durante todo o ano recebeu o público e organizou atividades vinculadas com a exposição. O departamento de Marketing da Fundação também atuou na divulgação, tanto junto à assessoria de imprensa quanto através das mídias sociais, criando conteúdo com a curadoria.

Entre os terceirizados, devo mencionar o arquiteto responsável pela museografia, o cenotécnico que executou o projeto e a empresa de iluminação.

Na montagem, dois estilistas fizeram questão de acompanhar o processo. André Lima veio pessoalmente, e Lino Villaventura enviou seu gerente de São Paulo.

Coordenar todas as equipes não é difícil, basta dar atenção aos prazos e à organização, contar com boa comunicação e gerenciamento. É fundamental que as equipes estejam engajadas e tenham espírito de colaboração. Aqui, todos tentamos resolver problemas da melhor maneira possível, sem deixar que egos interfiram no processo.


Você poderia falar do acervo de moda do MAB? Quais as principais características e a importância de um acervo como esse?


Resumindo aqui, o acervo é composto por peças de estilistas atuantes a partir da década de 1980 que foram desfiladas em algum evento de moda nacional. Temos também um pequeno núcleo histórico com costureiros das décadas anteriores e outro núcleo de Wearable Art da década de 1980.

Acredito que esse acervo é de suma importância, não só para esta instituição, que tem um curso de Design de Moda, mas para todas as instituições e pessoas da área. É um reconhecimento da importância da moda para a cultura deste país. Preservar a sua história é fundamental para as futuras gerações.

As peças têxteis são muito frágeis e, se não forem preservadas em instituições preparadas para esse fim, sua durabilidade seria limitadíssima. Já estamos enfrentando dificuldades com algumas peças com tecidos sintéticos que estão se desintegrando. A instituição toma todas as precauções para que a peça possa ser preservada, substituindo esses materiais por outros mais duráveis, mas sempre buscando conservar as suas características originais.


Quais recomendações você daria para jovens curadores/as que estejam iniciando sua carreira e queiram trabalhar com acervos com essas características? Quais as principais etapas e processos que precisam levar em consideração?


A primeira recomendação é ver a maior quantidade possível de exposições – esse repertório ajuda muito a ter ideias e a achar soluções. Outra é se aproximar das instituições. Muitas aceitam voluntários ou estagiários, e esta é a melhor forma de conhecer de perto as peças e o trabalho que se desenvolve numa instituição museológica. Também é importante continuar estudando, fazer cursos de capacitação na área de museologia, os mais variados possíveis, pois muitas vezes precisamos resolver problemas que abrangem conhecimentos diversos.


Entrevista realizada por Carla Ogawa por e-mail em março de 2024

Revisão: Armando Olivetti



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