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Curadoria | Retrospectiva Alice Brill


A arte: refúgio e esperança, o sonho de uma liberdade perdida precocemente diante da adversidade do destino, escreve Alice.



Quem percorre cuidadosamente a trajetória de Alice Brill, nascida em Colônia, na Alemanha, em dezembro de 1920, pode observar seu anseio na busca de novas experiências e a utilização da técnica a favor de suas concreções. Desde sua adolescência um tanto conturbada pela adversidade do destino, como ela mesma diz, o impulso da criatividade esteve presente, manifestando-se na escrita, no desenho e na fotografia.



Filha de Erich Brill, pintor alemão, e de Marte Brill, jornalista e escritora, Alice herdou o gosto pela arte e pela filosofia e teve como primeiros mestres seus pais.



Seu acervo particular e familiar surpreende-nos pela produção eloquente e representativa no campo das artes.


Diálogos

As excursões ao ar livre e a participação nas sessões de modelo vivo junto aos integrantes do Grupo Santa Helena, durante a década de 40, propiciaram a Alice uma produção relacionada à arte figurativa. Nos anos 80 retomaria os estudos de modelo vivo.



Após a II Guerra, teve a oportunidade de viajar aos Estados Unidos. Os cursos de gravura, pintura e fotografia que frequentou conferiram-lhe maior domínio das técnicas. Na bagagem para o Brasil, em 1948, trouxe o equipamento com o qual exerceria, por mais de dez anos, a profissão de fotógrafa.



Nessa época trabalhou para a Habitat, primeira revista mensal de Arquitetura e Artes.


Vários artistas, arquitetos e personalidades foram fotografados por ela, entre eles Mario Zanini, Alfredo Volpi, Hilde Weber, Sofia Tassinari, Yolanda Mohalyi, Karl Plattner, Cássio M'Boi, Burle Marx, Villanova Artigas e Lina Bo Bardi. Por vezes registrou o artista absorto na própria produção, ao mesmo tempo em que fotografava suas obras.


Fez duas fotorreportagens significativas: a primeira em 1948, quando da inspeção das obras da Fundação Brasil Central, juntamente com a comitiva do então deputado Café Filho que viria a se tornar Presidente anos depois. Nesse período, registrou os índios Carajás da Ilha do Bananal, no Centro-Oeste do país, região ainda em descoberta e com uma história peculiar e grandiosa das intenções políticas de crescimento e expansão.


A segunda fotorreportagem foi realizada em 1950 a convite de Osório César, crítico de arte e médico psiquiatra, idealizador da Escola Livre de Artes Plásticas do Juquery.


A presença da arte como tratamento terapêutico levou Osório César a contribuir de maneira relevante na integração social de pacientes com transtornos mentais. Alice, grávida de sua primeira filha, registra com sensibilidade o olhar desse indivíduo diante das próprias produções que cobriam as paredes do atelier do instituto psiquiátrico do Juquery. Cautelosa, quase sempre nos surpreende com seus registros que captam a espontaneidade como quem não deseja que o outro saiba que está sendo fotografado.


A pedido de Pietro M. Bardi, diretor do Museu Assis Chateaubriand, fez uma série de fotografias de São Paulo para um livro que nunca foi publicado, destinado ao Centenário da cidade, em 1954. No decorrer dos anos, imagens avulsas foram encontradas em algumas publicações.


Ao longo dos últimos quatro anos pesquisando as pintura no atelier de Alice Brill e suas fotografias no acervo de propriedade do Instituto Moreira Salles, que detém mais 14.500 negativos, percebi alguns estudos com aquarela e guache realizados a partir de imagens fotográficas. Esses estudos parecem refletir a ação do fotógrafo que escolhe a lente mais apropriada para a tomada a ser registrada. Na totalidade visual, sua pintura proporciona uma estruturação da composição até a última instância, ou seja, até a última pincelada, diferentemente da fotografia que, em geral, nos apresenta uma estrutura obviamente pensada pelo fotógrafo, só que dotada de uma aparato mecânico, mediador desse processo. Como linguagem, a fotografia com certeza apresenta infinitas possibilidades, não cabe aqui essa discussão.


A fotografia aparecerá de maneira discreta nas composições em preto-e-branco que Alice faz na década de 70; e novamente, agora na temática, podemos observar a questão do tempo e o testemunho de uma cidade que cresce compulsivamente e que, consequentemente, "encolhe" o indivíduo na solidão.


Alice fotografou cidades como Ouro Preto, Guarujá, Salvador, Rio de Janeiro. Registrou as feiras, os vendedores ambulantes, a doceira, as fachadas das casas, as ruas, as construções. Foi pioneira nos retratos espontâneos de crianças num período em que a fotografia de estúdio, ou "posada", ainda estava em voga. Inúmeras famílias foram retratadas pela lente da artista; muitos álbuns ela vendeu com essas fotos; algumas pessoas ainda conservam intactas suas feições de criança de outrora.


Encontros

A partir da década de 60, Alice retoma a pintura a óleo. A temática principal enfoca o urbano paulistano a que Alice chama semi-abstrato por manter referências do real.



Novas pesquisas são fontes de inspiração para a artista. O batik, técnica artesanal da Indonésia, possibilita novas incursões na busca de uma expressão espontânea, libertando-a da forma geométrica. Contraditório para quem conhece a técnica? Sim, pois o batik exige um controle absoluto da cera. E, nessa contradição, Alice busca resultados inesperados. No trabalho com a cera, tanto no tecido como no papel de arroz, Alice lida com o improviso visto que nem sempre a técnica adaptada apresenta resultados esperados.



Gravura em metal, serigrafia, batik sobre tecido ou papel de arroz, acrílica, guache, aquarela...não importa quando se trata da temática. A artista conduz muito bem todas as técnicas e apresenta estudos de cores e de composições, retomando a mesma temática anos depois.



Em suas viagens para o Oriente Médio, Ásia e América Latina, traz suas memórias anotadas em cadernos, com desenhos e relatos dos costumes de cada povo. Suas pinturas surgem com cúpulas e torres das grandes mesquitas ou mesmo com motivos florais pintados, como vitrais, com cores fortes e brilhantes. Escadarias, pedras, flores, mangue, deuses estão presentes no imaginário de Alice, que recorre ao domínio técnico para explorar suas temáticas.



O urbano surge algumas vezes em fachadas de portas cerradas ou até inexistentes; outras vezes, janelas abertas mostram personagens frágeis e minúsculas que parecem testemunhar a solidão do indivíduo nas grandes cidades. São fragmentos, estruturas que se intercalam com detalhes colhidos em suas viagens. Alice pinta o ritmo da demolição, da reconstrução que a nossa cidade sofreu durante esses anos. Aqui tudo se transforma rapidamente, nossa história cede espaço para um ritmo alucinante de verticalização.


"Além da margem"

Neste núcleo está a produção mais recente de Alice Brill, a partir de 2000. Aqui, com cores mais fortes, seu imaginário ganha força. Seres fantásticos e situações curiosas são registrados em pequenos pedaços de papel que, frequentemente, são colados em cadernos. A fatura apurada de outrora, com preocupações específicas na busca de suporte e técnica adequados, agora prima por um intimismo sem limites, por uma mundo de formas e cores que ela construiu ao longo de sua vida.



Caminhos do exílio

Núcleo dedicado aos pais de Alice Brill. Apresenta um recorte de viagens e lugares representativos na vida de Erich Brill através de suas pinturas e desenhos. Documentos do período da II Guerra são mostrados por ocasião do retorno de Erich para a Alemanha e de sua prisão num campo de concentração, sua última viagem.




Estão expostas edições do romance autobiográfico Der Schmelztiegel e matérias publicadas no jornal Hamburg Süd na época em que Marte Brill prestava serviços como jornalista. Junto a elas, um artigo escrito por Reinhard Andress, doutor e professor de Literatura Alemã na Saint Louis University (EUA).





Alice Brill, pintora, gravadora e fotógrafa, professora e teórica das artes visuais: a exposição Alicerces da Forma homenageia seus 86 anos de vida e contribuição no campo da arte e da literatura do século XX.






Texto cedido por Carla Ogawa, por ocasião da retrospectiva da artista Alice Brill no Museu de Arte Brasileira | FAAP em 2007.

Fotografias: Fernando Silveira

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